Artigo: "Portumática"

Este texto, de autoria de Christiane Novo Barbato, foi publicado no jornal impresso Informativo Unifia em abril de 2009, e encontra-se disponível no site da Faculdade de Jaguariúna: http://faj.com.br/



Portumática
Rabugices do Linguista e da Matemática

No exercício da docência já há alguns anos, ouço frequentemente meus alunos das áreas exatas comentarem que não sabem e não gostam de escrever; dizem isso com certa convicção de obviedade, como fosse condição sine qua non à aptidão para os cálculos, ser desprovido do gosto pela escrita e pela leitura. Confesso: eu já pensei assim. Mas, desculpo-me: faz muito tempo.
Concorda comigo uma vasta legião de estudiosos do assunto: só não consegue escrever aquele que não lê e não treina a escrita. Como ocorre com a simpatia pela matemática, ou por qualquer outra ciência, o gosto pela leitura, se não é congênito, hereditário, ou se dá pela convivência familiar, acontece aos poucos, pela prática incansável e continuada. No meu caso, começou por necessidade e acabou tornando-se um imenso prazer, uma paixão tardia, mas arrebatadora!
Uma consequência da aversão desses alunos pela leitura é a dificuldade em interpretar as situações reais que lhes são apresentadas, verbalmente ou por escrito, na sala de aula ou em situações corriqueiras do seu dia-a-dia.
A lógica necessária para a interpretação de frases mais ou menos complexas só é adquirida pela prática. Assim, muitas vezes o sujeito não é capaz de resolver um problema matemático, não porque lhe falta a técnica da resolução, mas porque ele não consegue identificar o conceito teórico no contexto em que se encontra inserido. Daí a insistência dos educadores para que os professores de todas as áreas do conhecimento trabalhem a leitura e a escrita nas salas de aula dos Ensinos Fundamental e Médio.
Um exemplo interessante das consequências da dificuldade de interpretação da leitura na matemática encontra-se nas porcentagens e foi comentado pelo inigualável Pasquale Cipro Neto, em seu artigo O cálculo do inimaginável, publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 17 de agosto de 2000. Nele, o autor menciona a pertinência da interdisciplinaridade português-matemática, denominando-a “portumática” e destaca alguns “assassinatos matemáticos” cometidos por jornalistas e políticos, justamente por não analisarem o aspecto lingüístico-matemático em epígrafe.  Cita, ainda, a conhecida questão da Fuvest que pede o quadrado de 10%. Alguns desavisados podem pensar: bem, se o quadrado de 10 é 100, o quadrado de 10% é 100%, esquecendo-se de que a preposição “por de “por cento” indica razão, ou seja: 10% = 10 ¸100 = 0,1. Como o quadrado de 0,1 é 0,01, que é 1%, o quadrado de 10% é 1%!
Mas as presepadas com porcentagens não se esgotam aí. É muito comum encontrarmos na mídia, e até em artigos de diversas áreas do saber, afirmações como: a emissão de gás carbônico na localidade A é 3 vezes maior do que na localidade B: na primeira, é de 3600 toneladas por mês e, na segunda, é de 1200 toneladas por mês, ou então, como no exemplo do Prof. Pasquale no referenciado artigo: se o preço de um eletrodoméstico em uma loja é R$90,00 e, em outra, é R$30,00, então o bem na segunda loja custa 3 vezes menos do que na primeira. Será?
Vejamos:
Se a emissão mensal do gás carbônico na cidade A fosse três vezes maior do que na cidade B:
Quantidade na cidade B: 1200 t
Uma vez maior: 1200 t + 1200 t = 2400 t
Duas vezes maior: 1200 t + 1200 t + 1200 t = 3600 t
Três vezes maior: 1200 t + 1200 t + 1200 t + 1200 t = 4800 t.
É, está errado!
E, se o preço da segunda loja realmente fosse três vezes menor do que o da primeira:
Preço da primeira: R$90,00
Uma vez menor: R$90,00 - R$90,00  = R$0,00
Duas vezes menor: R$ 90,00 - R$ 90,00 - R$90,00 = - R$ 90,00
Três vezes menor: R$ 90,00 - R$ 90,00 - R$ 90,00 - R$ 90,00 = - R$ 180,00 (o cliente leva o produto e ainda um troco de 180 reais). Eu quero o endereço dessa loja!
Qual seria, então, a relação correta entre as duas quantidades emitidas? E entre os dois valores?
Observe que na cidade A, emitem-se três vezes a quantidade de gás emitida na cidade B, e não três vezes mais, assim como o preço do produto na segunda loja é 1/3 do preço na primeira (e não três vezes menor).
Pode parecer só uma questão tola de semântica, mas nas entrelinhas da sintaxe nos perdemos da exatidão lógica e irrefutável da matemática, passando a considerá-la estupidamente sem sentido.

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Em troca de e-mails sobre o assunto, com a querida Márcia Parra, Professora de Língua Portuguesa com quem tive o privilégio de trabalhar, ela lembrou-me das situações trágico-cômicas geradas pelo uso indevido da vírgula. Deu como exemplo a troca de: “- Minha herança fica com a Chris, não com a Márcia." por "Minha herança fica com a Chris não, com a Márcia." Não sei qual é a herança, mas, não sendo herança de dívidas, causa-me certo desconforto perdê-la por conta de uma vírgula!
Em assuntos matemáticos, claro, a vírgula também faz toda a diferença: “o dobro de cinco mais sete” – 2 x (5 + 7) = 2 x 12 = 24 é diferente de “o dobro de cinco, mais sete”    2 x 5 + 7 = 10 + 7 = 17.
Por outro lado, a vírgula como separador do sistema decimal de numeração, que é posicional, funciona como marca de coordenação assindética aditiva. Explico: 3,5 correspondem a 3 inteiros e (mais) 5 décimos, ou seja, o papel da vírgula em 3,5 é o mesmo do que exerce em frases do tipo: “Márcia estacionou o carro, entrou calmamente no escritório e escreveu a carta abdicando da herança em favor da Chris”. Que linda a Portumática!

Prof. Ms. Christiane Novo Barbato
Coordenadora de Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Jaguariúna

2 comentários:

  1. Cris!!!!
    Adorei!!! Agora a Rita pode escrever pra vc: "Ao ler sua postagem nem dá para acreditar que é da área de Exatas. Seria capaz de jurar que é formada em Letras". rsrs
    Tenho uma colega formada em Matemática que é a mais poetiza do meu trabalho!
    bjus

    ResponderExcluir
  2. Hehehe! É mesmo!
    Obrigada, Adri.
    Bjs,
    Chris

    ResponderExcluir

Frases

“Não se preocupem por suas dificuldades em matemática;

asseguro-lhes que as minhas são maiores.” ( Albert Einstein)



O primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma."( Albert Einstein)



"A coisa mais dura de entender no mundo é o Imposto de Renda."( Albert Einstein)



"Grandes almas sempre encontraram forte oposição de mentes medí­ocres." ( Albert Einstein)



"O único lugar onde sucesso vem antes do trabalho é no dicionário."( Albert Einstein)


"Uma pessoa inteligente resolve um problema, um sábio o previne. " ( Albert Einstein)



Fonte:http://www.frasesfamosas.com.br/de/albert-einstein/pag/2.html



Avalia-se a inteligência de um indivíduo pelo número de
incertezas que ele é capaz de suportar. (E. Kant)